Isolamento é realmente necessário para enfrentar o novo coronavírus?

Texto da Biomédica, virologista que gerencia o blog Dotô, é virose? e Mestre em Ciências Natália Maria Lanzarini. A Nat, como é chamada, faz Doutorado em Saúde Pública e Meio Ambienta na Fiocruz e está no doutorado-sanduíche na Itália, em plena quarentena de coronavírus.
Matéria atualizada com dados do dia 20 de março de 2020.
Ainda está na dúvida se é mesmo necessário a quarentena na Itália ou em qualquer outro país? Vamos fazer uma análise simples de duas imagens: a primeira é o gráfico com o número de casos positivos de coronavírus na Itália (figura 1).

A quarentena na Itália teve início em 09/03/2020, quando tinham sido registrados 9.172 casos de COVID19. Uma semana depois, 18.808 novos casos foram registrados. De acordo com o decreto, a quarentena continuará até o dia 03/04/2020, mas provavelmente será prorrogada. Duas semanas depois, a Itália sinaliza ainda para um crescimento exponencial. São 3.405 óbitos, para um total de 41.035 casos confirmados. Isso corresponde a uma taxa de letalidade de 8,30%. Em menos de 1 mês, o número de casos na Itália saltou de 3 para cerca de 41 mil. A região mais atingida é a Lombardia, onde concentra cerca de 20 mil casos e 2.168 óbitos. Atualmente na Itália, 2.500 pessoas estão em CTI, sendo 1.000 dessas só na Lombardia.
Aparentemente, a quarentena na Itália começou tarde demais e o objetivo de diminuir o pico de infecção e evitar muitos casos ao mesmo tempo para não sobrecarregar o sistema de saúde pode não ter sido atingido, mas ainda é cedo para chegar em alguma conclusão de quando o número de novos casos irá diminuir, mesmo depois de 2 semanas de quarentena.
Mas um artigo muito interessante de revisão sobre medidas de prevenção que foram usadas na pandemia de Influenza e publicado recentemente mostra a importância de 6 medidas usadas para prevenir a infecção durante a Pandemia de Influenza H1N1:
- Isolar pessoas doentes;
- Rastreamento dos contatos;
- Quarentena de pessoas expostas;
- Fechamentos de escolas;
- Medidas em locais de trabalho (incluindo fechamento) e;
- Evitar aglomerações
Essas medidas tiveram um impacto enorme ao diminuir o pico de infecção e retardar o número de casos (Figura 2) durante a Pandemia de H1N1 e, com isso, ajudou o sistema de saúde a não entrar em colapso. Este trabalho se popularizou e serviu como um primeiro modelo para ser seguido pelos países com coronavírus, de acordo com o gerenciamento de risco, pois essas medidas já foram provadas cientificamente eficientes.

Figura 2: Número de casos de infecção por H1N1 pandêmico/2009 ao longo do tempo. O gráfico em laranja mostra o número de casos sem intervenção de isolamento social e o gráfico azul mostra com intervenção. Gráfico elaborado por Drew Harris e adaptado por biólogo Carl Bergstrom. Imagem: Carl Bergstrom e Esther Kim/CC BY 2.0
Quanto ao coronavírus, um trabalho muito interessante da Imperial College modificado a partir do modelo anterior para a realidade de hoje com o novo coronavírus mostrou a eficácia de diferentes estratégias de contingenciamento para achatar a curva (Figura 3).
Como muitos casos não são documentados, que são justamente as pessoas infectadas mas sem sintomas ou pessoas com sintomas leves, esses casos contribuem para 80% da transmissão do novo coronavírus, a medida que poderia ser mais eficaz seria exatamente como na China e Itália:
- isolamento de casos
- quarentena para todos
- distanciamento social de maiores de 70 anos
Se observarmos a Figura 3, mesmo com todas as medidas de restrições, não há sistema de saúde que dê conta, então, o mínimo que podemos fazer é aplicá-las o quanto antes. Muita gente achou o artigo alarmista, então recomendo a leitura do trabalho. Está nas referências, assim como o artigo sobre a simulação na Itália, que foi assertiva.

Mas há uma luz no fim do túnel para a Itália, o número de pessoas recuperadas da doença e agora curadas aumentou: são 4.440 casos curados.
Enquanto isso, o Brasil, adotou a quarentena no dia 13/03/2020 quando tinha 98 casos confirmados, ainda no início da disseminação em território nacional. Espera-se que com o isolamento, o número de casos confirmados sejam dispersos ao longo do tempo para não sobrecarregar o SUS e o sistema privado e, assim, conseguir fornecer leitos de UTI e equipamentos para os pacientes mais graves.
Sabendo dos problemas do Brasil e das dificuldades socioeconômicas que o país se encontra nos últimos anos, e também do impacto dessas restrições no dia-a-dia do brasileiro, espera-se que o impacto possa ser moderado com a adoção de políticas públicas de proteção ao trabalhador.
Quanto a ampliação de números de testes, a recomendação da OMS é bem clara, quanto mais testes, mais rastreio, mais controle. Por isso, recomendam ampliar os testes. Certeza que o Brasil possui potencial e capacidade técnico-científica para ampliar o número de testes, só precisa de mais investimento. E da importância, mais do que nunca essencial do Programa Saúde da Família e do SUS como um todo.
Vale lembrar que, com a confirmação da transmissão comunitária, o Brasil passou a implementar uma medida de saúde pública de testar somente os casos graves, então pode ser um pouco diferente quanto ao número de casos da Itália, minimizando o risco, mas mesmo assim o crescimento tenderá a crescer de forma exponencial. Precisamos intensificar e regular para que as instituições privadas façam a notificação, também com o objetivo de evitar minimizar esses risco no país.

Logo, mais um motivo para que você passe a tratar a sua região como um local que tem coronavírus circulando e restringir mais a sua saída de casa. Só saia de casa para ir no mercado e farmácia, ou, se o seu emprego não te permitir, você precisará ser mais cuidadoso nas medidas de prevenção e no distanciamento de 1 metro necessário.
Vamos seguir o plano de contingência e fazer a nossa parte na prevenção, o mais importante para a população brasileira é não entrar em pânico e evitar alardes. Isso não quer dizer que não precisamos ficar atentos e ter cautela, pois vivemos em um coletivo, o que exige de todos nós responsabilidade e respeito às leis. Nas referências, também tem alguns sites oficiais para você ir acompanhando as informações.
A esperança está junto com a ciência. Vamos evitar os eventos na Páscoa dia 12/04. Estamos separados agora para que possamos estar juntos no futuro.
Referências
- Ministério da Saúde Italiano. Disponível em: http://www.salute.gov.it/nuovocoronavirus. Acesso em 19/03/2020.
- Mapa do Ministério da Saúde Italiano com atualização diária. Disponível em: http://opendatadpc.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/b0c68bce2cce478eaac82fe38d4138b1. Acesso em 19/03/2020.
- Organização Mundial da Saúde. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso em 19/03/2020.
- Mapa Mundial em tempo real da Organização Mundial de Saúde sobre o Coronavírus. Disponível em: https://experience.arcgis.com/experience/685d0ace521648f8a5beeeee1b9125cd. Acesso em 19/03/2020.
- OPAS no Brasil. Folha informativa sobre o novo coronavírus (COVID-19). Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:folha-informativa-novo-coronavirus-2019-ncov&Itemid=875. Acesso em 11/03/2020.
- Ministério da Saúde Brasileiro: https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/coronavirus
- Mapa do Ministério da Saúde Brasileiro: http://plataforma.saude.gov.br/novocoronavirus/
- Fong, M. W., Gao, H., Wong, J. Y., Xiao, J., Shiu, E. Y., Ryu, S., & Cowling, B. J. (2020). Nonpharmaceutical Measures for Pandemic Influenza in Nonhealthcare Settings-Social Distancing Measures. Emerging infectious diseases, 26(5).
- Ferguson, N.M. et. al. Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand. Imperial College COVID-19 Response Team. Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-NPI-modelling-16-03-2020.pdf Acesso em 19/03/2020.
- Remuzzi, A., & Remuzzi, G. (2020). COVID-19 and Italy: what next?. The Lancet.
- Li, R., Pei, S., Chen, B., Song, Y., Zhang, T., Yang, W., & Shaman, J. (2020). Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science.
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